Podia deitar-se com quem quer que fosse, tocar o que quer que fosse, mas seu coração permanecia virgem.
Anna levantou-se da cama e, quando o sol arranhou as paredes do quarto, envergonhou-se, vestiu-se, deixou dormir mais um dos pobres garotos que nada tinham a ver com a sua busca. Mas antes, como castigo, fechou as cortinas e deixou o sol ser sozinho.
Não lembrava onde fora a farra da noite anterior, nem lembrava como parara naquela cama pequena: a bebida não era mais agente causador; era agente esquece-dor.
O cheiro forte de maçãs e patchuli fazia-a indagar-se coisas absurdas. Afinal, quando foi que deixara de se sentir a princesinha do papai?
As unhas compridas, vermelhas, arranhavam a carne enquanto esperava o táxi que não chamara. Quando os minutos tornaram-se cansativos, recolheu do chão o embrulho e caminhou ao mercado.
Porque a chuva fazia com que se sentisse úmida, silenciosa;
fatal.
Os olhos de gueixa, o cabelo comprido, o corpo calculado: ela inteira caberia nos sonhos de qualquer um, mas não, não queria caber,
queria ser.
Atravessou a rua e resolveu fazer compras no mercado sempre tão caro, sempre tão perto, e nem percebeu que, enquanto esperava os carros passarem, um pretérito alheio tocou seus olhos. Anna era cor, dor e insanidade; aos olhos dele, que a observava da magrela azul todo dia quando ia trabalhar, Anna era toda vermelho-vivo-pulsante, como a boca que ela pintava.
era perfeita.
E Anna vivia a angústia de não saber como se sentir. Servia café em xícara grande, toda manhã, deixando sobrar sempre a mesma quantidade.
Anna, quando você for atravessar a rua, olhe para os dois lados. Mesmo se for mão única.
(fim da primeira parte).
me deixa tocar você sentir você beijar você cheirar você em cada canto seu até que não tenha mais cheiro mais canto mais você mais nada.