quarta-feira, julho 09, 2008

Sono vivo abbastanza

São histórias, e o mais louco das histórias é que, quando elas terminam, só queremos saber se aconteceu de verdade.

-Aconteceu?
-Não sei. Mas parece.


Um experimento científico em humanos, como era típico nessa segunda grande guerra. O fato é que ele se divertia, se divertia de verdade analisando os resultados e descartando as amostras. Em toda sua crueldade sem culpa, tinha uma curiosidade sapeca: Até onde uma pessoa poderia acreditar?

Colocou sua amostra humana numa cama, atou-a, vendou-a, deu o tempo suficiente para a curiosidade e o medo dominarem-na e, pontuando categoricamente cada frase, disse

-Você tem exatamente 4 litros e meio de sangue no seu corpo. Farei um corte vertical de 3 centímetros no seu pulso. Esse sangue pode ser suficiente para manter o seu corpo vivo por mais duas horas, mas como o fluxo de sangue vai mudar de pouco em pouco, não tenho como saber exatamente. E é isso que eu quero descobrir hoje.

Os cinco minutos seguintes só não foram mudos pelo esporádico tilintar mecânico dos instrumentos na mesa.
A dor aguda que atingiu o braço de Niccolle durou somente até o momento em que ouviu o sangue cair na bacia, cujo ritmo lhe ajudava a contar mentalmente quantos minutos era capaz de agüentar.

A freqüencia dos pingos de sangue diminuía minimamente, mas diminuía. Niccolle soube das novas.

-Uma hora. Cerca de 2 litros de sangue ainda estão no seu corpo. Agora talvez você vá se sentir fria, triste e entorpecida, mas não se preocupe. É absolutamene normal, nessas situações.

Absolutamente normal. Pinga pinga pinga. A freqüência diminui. Pinga pinga pinga. Os passos do Experimentador ecoam no quarto ao lado. Sons similares a risadas. Tristeza, vontade de querer ficar um pouco mais. Pinga pinga. Teriam sido horas desde o comunicado? Teriam sido poucos minutos? Quanto faltaria?A freqüência diminui a tal ponto que se faz necessário esperar para escutar o próximo pingo quando, des-finalmente, cessa. E seu coração pára.

Antes de encerrar a pesquisa, o Experimentador retorna, retira a bacia de debaixo da torneira, despeja a água de laboratório no ralo e, com a curiosa inocência de um menino, recolhe o corpo intacto.